Pois bem, dizer que alguém cometeu um crime sem que essa pessoa tenha cometido tal crime, é um crime: chama-se calúnia. E se a calúnia é cometida por um meio (como televisão) que facilite a propagação da mentira, a pena é aumentada em um terço.
Mas e se a pessoa é jornalista? Ela não tem o dever de informar? Sim, ela tem o dever de informar, mas não cabe a ela determinar a culpa de alguém. Isso cabe à Justiça. Se o jornalista apenas reporta aquilo que foi dito pela polícia, ele não está cometendo nenhum delito. Se ele emite uma crítica jornalística, também não está cometendo nenhum delito. Mas se ele passa a faze alegações, ele está assumindo o risco de estar caluniando. Às vezes a linha é tênue e delicada: não há calúnia se o jornalista tem apenas o intuito de reportar ou informar. Mas há calúnia se o jornalista tem a intenção de ofender a honra da pessoa. No vídeo acima, será o juiz que decidirá se houve intenção da repórter de ofender a honra e não apenas de reportar os fatos ou exprimir uma opinião jornalística.
Na calúnia, se a pessoa de fato cometeu o crime alegado pelo suposto caluniador, este não responderá pela ofensa já que o que disse é verdade (a calúnia serve para proteger a honra da pessoa frente à sociedade: se ela de fato fez o que foi alegado, não pode se sentir ofendido porque a verdade sobre suas ações não ofende).
Bem, mas acabamos de ver que só podemos dizer que alguém é culpado depois que já há uma sentença transitada em julgado contra ele. E se você tem certeza que o que disse é verdade (ou seja, que a pessoa realmente cometeu o crime), mas nem a polícia ainda sabe disso?
Nesse caso, quem está sendo acusado de calúnia pode invocar a exceção da verdade, que nada mais é do que invocar o direito de provar que o que disse é verdade. Se provar, não terá cometido calúnia (novamente: a verdade não ofende).
No caso da matéria acima, portanto, se o juiz julgar que a repórter teve a intenção de caluniar, ela ainda poderá tentar provar que o suspeito de fato cometeu o estupro. Se não provar, ela poderá te-lo caluniado, se houve intenção de ofender a honra do suspeito.
Fim de história então, certo? Não. A imagem e honra de uma pessoa pertencem a ela. Não se pode usar a imagem de alguém sem sua autorização, exceto se houver finalidade jornalística. Publicar a foto de alguém sem sua autorização pode gerar o direito de ressarcimento do retratado. A mesma coisa se sua honra for ofendida. Mas se a foto foi publicada porque havia interesse jornalístico, não há direito de reparação por parte do retratado. Daí que sempre vemos fotos de políticos e criminosos serem publicadas sem a autorização deles.
Mas, mesmo no caso de um criminoso, o interesse jornalístico tem limites a partir do qual passa a gerar direito de ressarcimento. Por isso não vemos fotos de presos nus ou de políticos fazendo sexo: ainda que o retratado possa ser objeto de interesse jornalístico, a situação na qual ele foi retratado foi além desses limites.
No caso da matéria acima, em uma eventual ação movida pelo suspeito contra a jornalista, o magistrado terá de julgar se sua chacota, termos e tom foram além daquilo que é exclusivamente jornalístico. Se foi, ela poderá ser obrigada a reparar o dano causado a ele, ainda que ele venha a ser condenado penalmente. Isso porque a condenação penal dele não impossibilita a reparação cível.
PS: A repórter diz que “você não estuprou, mas queria estuprar”. Na verdade, querer cometer um crime não é um crime em si. Você pode planejar crimes na sua cabeça. Isso, em si, não é um crime. O crime começa a ser cometido quando você passa a colocar em prática suas intenções, ou seja, quando você sai do mundo das ideias e passa para o mundo das ações.